Erros estratégicos da General Motors

A vida da matriz da General Motors sempre foi feita de altos e baixos, e isso se reflete na filial brasileira. A montadora tem histórico]] de sucesso aqui com seus carros, coleciona no currículo inúmeros best sellers e é a segunda que mais vende no Brasil. Mas isso não significa que tudo são flores para a fabricante.

A General Motors do Brasil vive aquela balança financeira. Já registrou operações rentáveis por vários anos, mandou bastante dividendos para a matriz quando essa passava apuros e nunca esmoreceu nas vendas.

Ao mesmo tempo, tendo como única marca a Chevrolet por aqui, a fabricante também se encontra em um momento delicado. Pressionada pelo grupo por melhores resultados, a GM do Brasil briga com a falta de semicondutores, mantém altos volumes de emplacamentos, só que em carros com margens mais singelas de lucro.

Em 2019, a empresa chegou a questionar a viabilidade de continuar no país, o que soou como uma ameaça não muito bem digerida por setores da economia do país. A GM continuou por aqui, ao contrário de sua rival Ford, com suas três fábricas e um centro de desenvolvimento dos mais completos do país, além de um pacote de investimentos anunciado em 2021 e a palavra de que o Brasil é um mercado importante.

Mesmo assim, é evidente que a empresa precisa de uma reestruturação. E fica no ar qual será o futuro da GM no Brasil. Mas quais foram os erros da montadora para chegar nesta encruzilhada agora? Autos Segredos destrincha alguns pecados cometidos pela fabricante nos últimos anos.

1- Chevette Jr

Em 1992 a GM viu que precisava investir no tal segmento de populares. A montadora pegou seu carro de maior sucesso, o Chevette, batizou com sobrenome Junior e transformou o motor 1.4 em 1.0 para se enquadrar no IPI mais reduzido.

O problema do Chevette Junior não foi nem o alívio nos equipamentos, estratégia também usada pelos rivais, como Fiat Uno Mille e Volkswagen Gol 1000. A questão era que o motor de 52 cv penava num carro mais pesado que os concorrentes e ainda com tração traseira.

Avaliações da época apontam que o Chevette Junior levava quase 22 segundos para cumprir o 0 a 100 km/h. Se tornou um popular mal visto e a GM só foi limpar a sua barra nesta base do mercado com o Corsa, em 1994.

2- Agile

Na metade da década de 2000 a GM começou a desenhar uma nova linha de produtos. Porém, os modelos da Opel se mostravam caros para serem feitos aqui, então a ideia foi aproveitar a base consagrada do primeiro Corsa, lançado em 1994.

Era o chamado Projeto Viva, que previa quatro novos carros. Mas o primeiro deles já se mostrou um equívoco. Em 2007 a GM lançou o Chevrolet Agile, um hatch compacto altinho.

Não bastasse o desenho controverso, tinha acabamento ruim e comportamento dinâmico decepcionante. Logo foi apelidado de Fragile e se revelou um carro bem menos interessante que o Corsa de segunda geração e até mesmo que o popularzaço Celta.

O Agile não durou muito. Em 2012 teve a produção encerrada em Rosario, na Argentina.

3- Easytronic

Depois do Agile ainda veio um tipo de câmbio que não deixou qualquer saudade. E que não foi só a GM que tentou emplacar.

Em 2010 a GM passou a oferecer como opção o câmbio Easytronic para a Meriva. A transmissão automatizada de embreagem simples era uma tentativa da Chevrolet (e também da Volks, da Fiat, da Renault…) de vender o conforto de um sistema sem pedal de embreagem.

Mas o câmbio era ruim demais. O que devia em precisão, sobrava em trancos. Recebeu a alcunha de Easytranco e não durou muito na GM. As marcas rivais ainda insistiram por mais tempo…

4- Montana

Apesar de tudo, o Agile teve uma cria que durou bem mais, porém se mostrou um retrocesso em termos de arquitetura. Vale lembrar que a Montana, lançada em 2003, usava como base o Corsa 2 e tinha um design bacana, além de boa capacidade de carga e dinâmica bem resolvida.

Pois mesmo assim a GM optou por fazer uma Montana inspirada no Agile, com aquele desenho controverso e tudo – o maldoso apelido de Monstrana já diz tudo. Só que a plataforma era do Corsa 1. Apesar da caçamba volumosa, a nova Montana nunca teve dias felizes e sempre ficou bem atrás da Fiat Strada até sair de linha, em 2021.

Ainda bem que parou por aí. A ideia do Projeto Viva era ter ainda um sedã e um monovolume. A GM mudou os planos e passou a investir numa nova família de compactos com base nas plataformas coreanas GSV, de onde saiu o Onix, e Gamma II, de Cobalt e Spin.

5- Volume alto, lucro baixo

a GM foi uma das montadoras no Brasil a renovar bastante sua linha no início dos anos 2010. Teve Onix, Cobalt, Spin, S10, Cruze…

Porém, esta virada dos projetos da então subsidiária europeia Opel (vendida para a PSA e hoje parte do Grupo Stellantis) para plataformas da GM Korea (ex-Daweoo) – tirando a S10, derivada da americana Colorado -, apesar de trazer custos mais baixos, não representou margens atraentes.

O Onix foi o carro mais vendido do pais por cinco anos seguidos. O Onix Plus foi o sedã mais emplacado por quase o mesmo período. Só que esse foco em compactos acaba resultando em muito volume, porém baixa rentabilidade.

6- Venda direta

A GM sabe trabalhar como poucas o segmento de vendas diretas. São aquelas negociações para empresas, frotistas, locadoras, governo e taxistas. Porém, é mais um mercado onde as receitas ficam ainda mais apertadas.

Para conseguir esses contratos, as montadoras têm de cortar as margens para entregar boas quantidades. Às vezes os descontos chegam a 30%. Em um Onix cuja metade das vendas é direta, os ganhos por carro ficam ainda menores.

7- Esqueceu dos SUVs

A terceira geração do Tracker está aí disputando o segmento de compactos pau a pau com o VW T-Cross. Bacana, mas a Chevrolet não tem outro exemplar forte no segmento que todo mundo quer, e cujas margens são bem melhores.

Em vez de apostar em um crossover de entrada para ficar abaixo do Tracker e em um SUV médio mais competitivo que o Equinox para brigar com o Jeep Compass, a GM optou por investir no Cruze. Legal ter um hatch e um sedã médios para fugir da mesmice, mas pensando racionalmente trata-se de um segmento em vias de extinção – o de hatches, inclusive, só tem o exemplar da montadora.

8- Crise dos chips

A crise dos semicondutores afetou toda a indústria automotiva, mas pegou em cheio a GM do Brasil. Com alta carga de chips, a linha Onix foi a mais prejudicada. A matriz priorizou produtos globais e de maior valor agregado e a filial brasileira ficou na rabeira no recebimento de insumos.

Desta forma, a fábrica de Gravataí (RS) chegou a ficar quatro meses parada e o hatch e o sedã perderam a posição de mais emplacados do país.

9- Rotatividade de presidentes

Presidente da General Motors no Brasil parece treinador de time de futebol na zona de rebaixamento. Não dura muito tempo. Nós últimos 20 anos a fabricante teve diferentes presidentes.

Só no espaço de oito anos foram quatro. O canadense Ray Young assumiu o cargo em 2004 e arrumou a casa por aqui. Em 2007 foi designado para cuidar das finanças globais e deixou a presidência, assumida pelo colombiano Jaime Ardila.

Outro que fez um bom trabalho e logo foi puxado para funções mais abrangentes dentro do conglomerado. Em 2010, Ardila assumiu a presidência da América do Sul da GM.

Sua substituta no Brasil foi Denise Johnson, a primeira mulher a presidir uma montadora no país. Durou pouco. Em fevereiro de 2011, a executiva pediu demissão alegando motivos pessoais. No seu lugar veio Grace Lieblein, que permaneceu dois anos na função.

Depois foi a vez de Santiago Chamorro ser o presidente da filial brasileira. Ele ficou de 2013 a 2016 e retomou o posto recentemente, em 2021, depois que Carlos Zarlenga pediu o boné do cargo que ocupava desde 2016, com a justificativa de buscar novas oportunidades profissionais.